ORIGEM DA QUADRA POPULAR EU NÃO VOU À SUA CASA

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Ronnaldo de Andrade.


Quando criança e adolescente em minha cidade natal, Santa Maria do Cambucá, PE, ouvia algumas quadras que acredito que muitas são variantes de quadras portuguesas. Todavia, não irei me prolongar sobre. 

Permitir-me-ei citar duas quadras, sendo que apresentarei a variante de uma delas. Uma ouvi para primeira vez da boca de um meu ex. e falecido patrão (Amaro Travasso). Vejamos a quadra:

“Quem tiver os seus segredos

Não conte à mulher casada

A mulher conto ao marido

E o marido aos camaradas.”  

 Existem algumas variantes dessa quadra e nenhumas das que encontrei traz o nome de quem a compôs.

Há uma canção que escutava e catava nas rodas de capoeira, que é bastante popular. Para mim ela não passava de mais uma canção à época. Ei-la: 


“MINHA COMADRE


Eu não vou na sua casa,

Minha comadre,

Pra você não ir na minha,

Minha comadre,

Você tem a boca grande,

Minha comadre,

Vai comer minha galinha,  

Minha comadre.

Até você, 

Minh comadre,

falou de mim,

Minha comadre.

― Eu não falei,

Minha comadre,

― Falou que vi,

Minha comadre.”


Anos depois, em contato direto com a literatura e com a gênero trova, tomei conhecimento que os versos 1-3-5-7 formam uma quadra que circula no cancioneiro popular, assim:


“Eu não vou a sua casa

Pra você não ir na minha,

Você tem a boca grande

Pra falar da minha vizinha.”

 

Provavelmente adaptada nessa canção, cantada entre tantas outras nas rodas de capoeira, quando o jogo ficava mais acelerado (na capoeira Regional). Enquanto os dois jogadores gingando, faziam floreios, atacavam e se esquivavam para não serem acertados nem levados ao chão. Também já a ouvi em rodas de capoeira de Angola e com modificações nos versos apresentados. 

Transcreveremos a seguir só os versos que formam a quadra porque não encontramos modificações nos demais:


“Eu não vou na sua casa

Pra você não ir na minha,

Você tem a boca grande

vai comer minha farinha.”


É certo de que existem muitas outras variantes dessa quadra. Às vezes dentro do mesmo Estado tem várias versões do mesmo texto, em uma adaptação coletiva, por meio da oralidade, ação bem menos comum nos dias atuais, tanto no sertão quanto nos interiores e nas capitais deste país de tantas cores e belezas inenarráveis; de gente simples e hospitaleira, que ainda tem fé, algum resquício de esperança e alguma consciente ilusão, ou seria ilusão consciente.

Finalizo chamando a atenção para o primeiro verso, que traz um “na” no lugar de “à”. “Eu não vou na sua casa”, quando deveria ser “Eu não vou à sua casa”. Isso é muito comum na poesia popular. 

O professor J. Leite de Vasconcellos em seu célebre livro poesia Amorosa do Povo Português (1890), nos diz que “Este processo de modificação é bem observado em certas poesias de autor desconhecidos, poesias essas que passando para a boca do povo, logo se alteram consoantes alguns dos princípios que que são indicados (p.15). O médico e folclorista alagoano Theontônio Vilela Brandão, ou, como é conhecido, Théo Brandão, fazendo referência ao que disse Amadeu Amaral, fala que “nem sempre os versos do povo são corretos e bonitos.” No entanto, os mestres não quiseram dizer que o povo, no seu individual e na coletividade não faça obra de arte digna de apreciação, mesmo que raramente. 

Continua...

Por: Ronnaldo de Andrade - Poeta e Professor, tem quatro livros publicados 
e organizou quatro antologias de poemas SPINAS.


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