ENTREVISTA COM ÉNIA WA KA LIPANGA

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Énia Stela Lipanga, conhecida como Énia Wa Ka Lipanga, é uma poetisa, activista, rapper, repórter e agitadora cultural moçambicana. 

1- O  Instituto de Estudos de Gênero (IEG) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) lançou em 31 de maio de 2022, o projeto de extensão Arte, performance e política: artivismos e relações entre academia-movimentos sociais – artivismo Moçambique, que visa realizar ações on-line preparatórias para o 14º Congresso Mundos de Mulheres – Moçambique. Este ocorreu presencialmente em Maputo, Moçambique, disponível no canal do IEG (no Youtube). Qual foi a representatividade da sua participação?

Énia Wa Ka Lipanga: Minha participação se deu em um sarau que conectou poesia e ativismo. Mais do que uma simples performance artística, tratava-se de uma troca viva e dinâmica com o público. A conversa girava em torno da minha poética, que é inseparável do ativismo. A plateia questionava, refletia e contribuía para essa construção conjunta, onde explorei como minhas palavras podem ser tanto um grito de resistência quanto um convite à empatia. Nesse encontro, o meu papel foi dar voz a questões que, muitas vezes, ficam à margem, e mostrar como a arte pode ser um veículo poderoso de transformação social.

2- Em sua escrita, aborda temáticas como violência e igualdade, a fim de denunciar a realidade e propiciar reflexões feministas. Por meio de suas palavras, músicas e organização coletiva, em espaços como o coletivo Uqhagamishelwano, procura emancipar a mulher dos preconceitos enfrentados na sociedade. A que atribui o retrocesso com tantos casos de feminicídio (aumento na e pós pandemia)? 


Énia Wa Ka Lipanga: A violência contra a mulher, infelizmente, foi naturalizada ao longo da história. Há uma resistência profunda em reconhecer o feminicídio como uma crise específica de gênero; muitas vezes, é reduzido a um simples homicídio, ignorando a dimensão misógina do ato. Além disso, as mulheres moçambicanas convivem com um estado constante de insegurança que permeia suas vidas. Contudo, o aumento dos casos também pode ser visto sob outra perspectiva: há uma crescente conscientização sobre a necessidade de denunciar. Hoje, as mulheres estão mais encorajadas a quebrar o silêncio, a se posicionar. Portanto, esse “aumento” também reflete o poder crescente da voz feminina e o impulso em desafiar estas normas nocivas.

3- Em seu livro, Para enxugar as nódoas dos meus olhos, considerado o primeiro de poesia em tinta e braille de Moçambique, no qual pretende contribuir para a inclusão das pessoas cegas. De onde surgiu seu interesse por pessoas com esta deficiência? Infelizmente, por mais legislações existentes, na prática, ainda são “invisíveis” socialmente.

Énia Wa Ka Lipanga: Meu interesse nasceu na adolescência, quando tive meu primeiro contato com pessoas com deficiências. Estudei em uma escola que segregava esses alunos em uma “sala especial” onde fiz amizades. Essa separação sempre me intrigou e incomodou, pois era evidente o quanto a inclusão era ainda uma utopia. Anos depois, já com minha escrita reconhecida, senti a responsabilidade de expandir o alcance da minha arte para além das limitações físicas e sociais. Foi então que idealizei um projeto acessível, que incluísse todas as pessoas. O movimento “Incluarte”, que fundei, conta com a apadrinhamento do escritor Mia Couto, as cantoras Sizaquel e Yolanda Kakana, os actores Abdil Juma e Isabel Jorge, entre outros artistas que compartilham esse sonho. Mesmo assim, o caminho é desafiador: há uma escassa porcentagem de pessoas com deficiência visual que dominam o braille em Moçambique. Ainda assim, acredito que esse livro é uma semente plantada para uma sociedade mais justa, onde a arte seja um direito inalienável e acessível a todos.

4- Qual o espaço da literatura escrita por mulheres nos países de Língua Portuguesa?

Énia Wa Ka Lipanga: Em Moçambique, vemos um crescente número de mulheres que ousam publicar suas obras. E digo “ousadia” porque, embora muitas escrevam, poucas chegam a publicar. Isso se deve às inúmeras barreiras: desde a falta de incentivo até o controle que alguns parceiros exercem, desencorajando-as de ingressar no mundo artístico. Entretanto, a sororidade tem sido um bálsamo para essas mulheres. Editoras lideradas por mulheres, como a Trinta Zero Nove, da tradutora Sandra Tamele, e a Diário de uma Qawwi, da Virgília Ferrão, são exemplos brilhantes de como o mercado literário pode se tornar mais inclusivo. Esses ventos de mudança indicam um futuro onde a literatura escrita por mulheres possa ocupar o lugar de destaque que sempre lhe pertenceu, mas que foi historicamente negado.

5- Qual mensagem transmite às jovens escritoras? 

Énia Wa Ka Lipanga: Minha mensagem para as jovens escritoras é que não tenham medo de voar, de ousar. Mas essa mensagem não é apenas para elas; é também para os homens que já dominam o espaço literário, para que sejam mais empáticos e acolhedores. As escritoras devem encontrar a coragem para trilhar caminhos novos, mesmo quando estes parecem intransitáveis. O futuro pertence àqueles que estão dispostos a abri-lo com palavras, e para isso, precisamos de homens e mulheres dispostos a construir juntos um ambiente literário mais justo e igualitário.

Por: Renata Barcellos (BarcellArtes) - Professora, Poetisa, Escritora e Membro Correspondente do Instituto Geográfico de Maranhão, Apresentadora do programa Pauta Nossa da Mundial News RJ.


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