IMAGENS OPOSTAS

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 Maria Teresa Freire.


Amanheci sentindo-me estranha. Levanto e olho no espelho. Um susto indescritível. Fiquei completamente sem ação. Fiquei paralisada! Quem era aquela mulher no espelho? Eu?? Eu tenho 30 anos, mas a imagem que aparecia era de uma mulher de 50 anos. Não conseguia entender o que me acontecia. Como não estava trabalhando, pois estudava para concursos, podia ficar no meu quarto o dia inteiro com a desculpa dos estudos.

Estava tão assustada sem compreender o que se passava que me escondi embaixo das cobertas para não ver aquele rosto completamente estranho para mim. Assim passou o dia. A noite foi chegando, o sol se pondo, o céu escurecendo e eu fui me transformando. Novamente eu. O meu rosto e não o da senhora. Que loucura!

Eu estava prestes a fazer o concurso para o Tribunal de Justiça como auxiliar de promotoria. O exame seria durante o dia, portanto eu apareceria com o rosto de mais velha. Entretanto, na minha inscrição constava 30 anos. Fui fazer o exame. Como havia estudado bastante, estava bem-preparada.

Fiz uma boa prova, na minha opinião. Também na opinião dos avaliadores. Ainda bem! Consegui ser aprovada. Era o sexto exame que eu prestava e somente nesse consegui a aprovação. Fiquei preocupada com a informação sobre idade. Ao verificar minha inscrição, que eu havia preenchido no computador, impresso e entregue pessoalmente, o campo idade havia saído meio truncado e não estava muito legível. Os avaliadores não estavam dando muita atenção para isso, mas sim para a escolaridade. Eu tinha especialização em Administração, o que me capacitava, mais do que o necessário, para trabalhar no Escritório de Promotoria, como auxiliar.

A Promotoria tem como função investigar crimes e contravenções penais por meio da coleta de dados, informações, documentos, perícias e depoimentos. Há vários tipos de Promotoria com atuação em várias áreas:  Direitos Humanos e Cidadania; Constitucionalidade; Consumidor; Criminal; Eleitoral; Falência; Família; Terceiro Setor. Passei no exame em 3º lugar e isso me permitiu escolher a cidade. Portanto, pude escolher minha própria cidade, o que facilitaria para eu lidar com o meu mais recente problema. Dois meses depois do resultado ser divulgado, eu fui designada para a Promotoria Criminal, que estava somente com uma auxiliar, antiga funcionária, perto da data de se aposentar. Havia vários casos em andamento e precisavam de mais funcionários para administrar o Escritório, realizando tarefas administrativas, controlando e registrando documentos, acompanhando publicações nos Diários Oficiais, enfim executando trabalhos de escritório. 

No primeiro dia no Escritório, fizeram-me uma pequena recepção de boas-vindas, os três funcionários e o Promotor chegaram atrasado, pois estava acompanhando uma investigação. Ele chegou apressado, cumprimentou-me desejando que eu me adaptasse à equipe e eu fiquei sem fala. Uau!  O homem era novo, uns 40 anos no máximo, bonito, alto e forte, com uma figura impactante. A voz ressoava agradável, apesar de potente. Fiquei pasma olhando para ele, esquecendo que minha aparência era de 50 anos. Só a aparência. O resto, que me compunha como pessoa e mulher, era de 30. 

Iniciei meu trabalho na Promotoria. Todos eram gentis ensinando-me as tarefas que eu aprendia rapidamente. Com isso, o Promotor foi me designando cada vez mais serviços. Nas investigações ele passou a me levar junto, pois eu fazia análises da situação bem certeiras. Todos achavam que era por conta da experiência adquirida com a minha idade aparente de 50 anos. Na realidade eu havia estudado muito para o concurso da Promotoria e como gostava dos assuntos jurídicos, li bastante sobre os casos de investigação criminal. Isso tudo me ajudava no trabalho. Fui me destacando também pela minha energia que eram na verdade de uma mulher de 30 anos. Durante o dia aparentava uma senhora, à noite uma moça. Como isso havia acontecido?

Passei uma noite refletindo e me lembrei de um gatinho, muito mansinho, a quem eu acariciava e dava leite. Com isso, ele me seguia constantemente. Até que uma noite, eu bebi além da conta e fiquei dormindo, sozinha, no bar. Fui colocada na calçada, pois o bar fecharia. Consegui chegar em casa, bem trôpega, em companhia do gatinho. Parecia me proteger. Ao primeiro raiar do sol, estava com a aparência de meia idade!  Realmente, não conseguia compreender!

Enquanto não encontrava explicação para o fato, fui vivendo conforme a realidade provisória, tentava convencer a mim mesma. Acrescentei mais um nome ao meu, o da minha tia que havia desaparecido há algum tempo. A investigação policial não havia descoberto rastros ou indícios e o caso estava ‘engavetado’.

Até que um dia, veio para a nossa Promotoria o caso de assassinatos em série. Recentemente uma senhora havia sido morta e os indícios mostravam relação com assassinatos anteriores. Ao Promotor foi solicitado atenção máxima. Ele passou a estudar o caso com extrema dedicação e todos do Escritório pesquisavam conforme a orientação dele. Fiz a investigação de campo com ele e destaquei que o ‘serial killer’ escolhia pessoas mais velhas que tinha algum dinheiro aplicado ou poupança. Descobri que ele havia trabalhado em um banco, portanto sabia como funcionavam as transferências bancárias. A investigação foi se aprofundando.

Nesse interim, eu como uma mulher de 30 anos conheci o Promotor. Estava com uns amigos que relacionavam-se e nos apresentaram. Eu fiquei olhando fixamente para ele, que me perguntou: “você me conhece? Pelo seu jeito de olhar parece que sim.” Eu respondi rapidamente: “não, não o conheço; foi só uma impressão”. Ele acrescentou: “para mim você parece familiar”. Eu não retruquei nada, para não criar mais suspeitas. Desviei a conversa para outros assuntos. Aproveitei o momento para perguntar sobre o trabalho. Ele nem imaginaria que eu trabalhava com ele!

O Promotor, Gerson, começou a mostrar interesse por mim. Começamos a sair juntos. Convidava-me para jantar, ir ao cinema, teatro, mas sempre à noite. Eu arranjava uma série de compromissos para não sair durante o dia. Já estava ficando estranho tantas desculpas. Principalmente, porque nossas despedidas passaram a ser bem intensas. Beijos longos, abrasivos, que nos deixavam excitados. E eu ainda tinha que fugir dele. No dia seguinte passava o dia com ele, no trabalho, me lembrando da despedida da noite anterior. Nem sei como conseguia me concentrar nas tarefas.

Convidou-me para ir à casa dele, mas eu não podia ficar até de manhã, quando eu me transformaria na mulher mais velha. Como me sair dessa? Eu queria aceitar o convite. Ansiava por ficar com ele. Pensei em meus pais com quem eu morava. Então, disse a ele que não poderia ficar a noite toda, porque meus pais eram muito controladores e ficavam me esperando. Ele olhou-me espantado e perguntou: “com essa idade, eles ainda lhe controlam?” Eu fiquei bem sem graça, apesar de ser verdade o que ele dizia. “Pois é, mas como sou filha única, eles são superprotetores”. Ele me olhou sem fazer comentário. 

‘Chegou bem perto de mim, abraçou-me carinhosamente e disse-me bem perto do meu ouvido: “vamos jantar lá em casa amanhã, vou preparar uma comida bem gostosa para você”. O tremor que me perpassou chegou até os meus ossos: de desejo de estar com ele e de pavor de ficar até de manhã.  Como driblar esta situação?

Queridos leitores, vocês descobrirão qual foi o drible na próxima edição!

Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 
Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná. Presidente da ALB - Paraná.


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