MAIS UMA AVENTURA

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Maria Teresa Freire.


Vidas entrelaçadas, Fernanda pensava. Ela se entranhava nele, Júlio pensava. Os dois pertenciam-se de coração, corpo e alma. Nos momentos só deles, de plena e intensa completude não havia espaço para nada que fosse discordante ou conflitante. Eram momentos apaixonadamente sonantes e inebriantes.

Durante uma conversa em fim de tarde, com um pôr do sol extasiante, os dois tiveram o mesmo pensamento. Começam a falar ao mesmo tempo, mas Fernanda dá a palavra à Júlio, que inicia um discurso sobre a compatibilidade deles e sobretudo o amor que compartilham. Como Júlio parece se enrolar para chegar ao ponto crucial, Fernanda o interrompe: “amor, o que você quer dizer com tudo isso? Por acaso, você será transferido para outra cidade?” Júlio surpreso, responde: “não! Nada disso, eu quero pedi-la em casamento!” Fernanda dá um pulo: “Oh! Deus Santo! Eu aceito! Quero me casar com você, viver juntos todas as aventuras possíveis!” Júlio pergunta: “só viver aventuras?” Fernanda nem enrubesce e responde: “eu o amo há muito tempo, desde que nos conhecemos. Por que acha que eu precisava de um médico para as reportagens? Só podia ser você e sempre será você!”.

Naquela noite todas as estrelas piscaram, a lua iluminou todo o céu e os dois se amaram apaixonada e loucamente. 

As providências para o casamento começam. As famílias se entrosam e concordam em dar de presente aos dois a festa de casamento. Fernanda e Júlio resolvem investir o capital que têm em uma lua de mel. Os dois continuam trabalhando pois ainda tinham mais de dois meses e até a data da cerimônia. Ela continua com as reportagens de denúncia e isso tem criado inimigos entre os bandidos. Obviamente, muitos não querem que ela continue a relatar as ilegalidades. Têm que impedi-la!

Uma noite, voltando do trabalho, Fernanda é raptada. Júlio espera por ela em casa, preparando um jantar caprichado. Nada dela aparecer. Com a demora, fica preocupado. Faz contatos com colegas de trabalho dela, mas ninguém sabia onde poderia estar. Havia entregue material de reportagem e saíra para voltar para casa. Júlio fica apreensivo. Por onde começar a procurá-la? Telefona para um amigo policial para orientação de como agir. Ele ajudaria. Dar parte na Polícia levaria tempo. Enquanto espera pelo contato do policial, Júlio recebe um telefonema. Fernanda havia sido sequestrada! Não pedem dinheiro, mas exigem o cancelamento das últimas reportagens dela sobre o tráfico de crianças nas favelas. Fernanda já havia entregue o material para o Jornal em que trabalha como free lancer: texto, entrevistas e fotos. Revela todo o esquema. Isso causaria um impacto enorme. Esse material já havia sido entregue à Polícia, mas a investigação estava sendo mantida em sigilo. Ela pesquisava há muito tempo o tema, apoiando a investigação policial. 

No telefonema, é exigido o afastamento da Polícia e cancelamento das publicações. Em troca, Fernanda seria mantida viva. Júlio questiona: “que certeza teria desse acordo”? A resposta foi cínica: “terá que confiar em bandido”, com gargalhadas do outro lado. Furioso e impotente, Júlio relata a conversa para o amigo policial, que lhe responde: “não vamos publicar nada, por enquanto”. O Jornal segurou o material e a Polícia espalhou a notícia de que a investigação sobre o tráfico de crianças não havia obtido resultados conclusivos, portanto seria arquivada. As redes sociais foram inundadas com essa notícia.

Fernanda foi largada em um terreno baldio, em uma periferia distante do RJ, em estado lamentável: suja, esfomeada e terrivelmente abatida. Foram dez dias de maus tratos. Consegue se arrastar até uma rua movimentada e é ajudada por pessoas que passam. Pediu para ligarem para Júlio. Logo depois ele encontra Fernanda, mas não demonstra reação negativa pelo seu estado deplorável. Com muito carinho cuida dela. Em casa, ela é alimentada e colocada na cama para dormir. Um sono de mais de 24 horas. Quando acorda está meio desorientada. Logo se refaz com a comidinha que Júlio lhe prepara. 

O dia do casamento se aproxima, mas Fernanda não se sente com energia para enfrentar uma festa.  Júlio pede uns dias de folga do trabalho para cuidar e dar apoio à ela. Além da fraqueza física e de alguns machucados por ter ficado amarrada e tratada rudemente, também está abalada emocionalmente. Aguentar a ameaça de morte a todo instante, as brincadeiras grosseiras e os maus tratos deixaram Fernanda em péssimo estado físico e mental. Como consequência desse acontecimento tão perturbador para ela, os dois resolvem cancelar a festa do casamento. Não haveria clima para um ambiente alegre e descontraído. 

Felizmente, os gastos com a festa ainda não haviam sido finalizados, com possibilidade de reembolso dos pequenos pagamentos realizados, em vista do fato. Júlio e Fernanda fariam a cerimônia civil e religiosa somente com as famílias e poucos amigos mais próximos. A lua de mel permanece válida. Seria muito bom viajarem para desfrutar de um ambiente diferente, sem lembranças do acontecido. Assim seria feito.

O casamento, apesar das pompas dispensadas, é significativo pois reafirma o amor, o carinho, o cuidado e o companheirismo dos dois. Júlio dedicou-se à Fernanda nos dias da recuperação dela, comprovando que viver junto também é doação, compreensão e aceitação (do que vier).  A cerimônia singela não impede que a felicidade do casal contagie a todos presentes, apesar do pesadelo do sequestro. Oficializar a união deles é deveras importante para os dois. Um importante passo na vida do casal que havia decidido por conta do amor e do desejo de formarem uma família. Portanto, a tristeza é varrida para longe pela enorme felicidade em realizarem o que haviam desejado e escolhido: viver a vida juntos.

Fernanda usa seu belo vestido de renda no tom perolado e Júlio em um terno preto de corte impecável. Um casal bonito, elegante e feliz. Desfrutam de um delicioso e sofisticado almoço com os familiares e poucos amigos e à tarde embarcam rumo à lua de mel, sem cancelamentos, sem atrasos ou modificações. Um tempo só deles, para curtir o tempo, na escolha deles!

Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 

Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.





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