TRES DESTINOS DE MULHER

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DRª Virginia Pignot.


O Festival Cinélatino ocorre há 35 anos no mês de março em Toulouse, cidade do sul da França, e sempre traz pepitas do cinema latino-americano, com cineastas que vêem do México ao Norte, até à Argentina e ao Chile no Sul. Alguns filmes apresentados surpreendem, encantam, fazem rir, chorar, cantar, e ficam gravados na memória.

Vou trazer uma breve recapitulação de alguns belos filmes da história do Festival, que recomendo. Podem ser encontrados por internet, comprados em lojas de filmes e livros, por “Amazon”...  Abordarei em seguida a trama de um filme mexicano que trata com delicadeza, e até com humor, do grave tema da violência feita à mulher. Apesar do peso e às vezes da dor do trauma, pessoas abusadas muitas vezes podem transformá-lo em uma alavanca para crescerem e ganharem em humanidade, e esta é uma característica das mulheres deste filme.

Retrospectiva

O filme chileno Mapuche, uma história de amizade entre um garoto pobre, que recebe uma bolsa para estudar em colégio particular, e um menino rico. O pobre, de pais operários, tem uma família unida pelo amor, mas é discriminado pela maioria dos novos colegas. O rico, socialmente bem aceito pelos colegas, tem um sofrimento individual que o oprime: sua mãe, burguesa rica, é amante de um alto potentado do exército, e o leva com ela à casa deste nos seus encontros clandestinos, expondo o garoto ao dilema de ser leal à mãe, mas de certa forma trair o pai, ou vice-versa. Guarda o silêncio, mas se sente oprimido. Estes dois sofrimentos se encontram e selam uma bela amizade. Aí vem o contexto histórico, o governo do médico humanista Allende, apoiado pela maioria da população, quer melhorar as condições e o salário do povo, estatizar as minas exploradas pelos americanos, para que a Nação chilena tome as rédeas do seu desenvolvimento, sem ficar como “quintal” dos Estados Unidos. Os americanos que lucram enormemente explorando as ricas minas e os operários muito mal remunerados, não querem perder uma migalha. Combinam e executam com a cumplicidade de militares, mídia dos patrões e outros traidores da pátria o golpe contra o governo popular. O povo resiste, manifesta à favor de Allende. E aí vemos a unidade da família pobre ameaçada pela violência da exploração e da repressão. A amizade dos dois jovens, que tinha se estendido também em uma cumplicidade com a irmã de Mapuche, resistira à violência do golpe militar? Outro belo filme, agora já antigo, do festival, foi o cubano Buena Vista Social Clube. São músicos que tinham conhecido a glória, tocando na Cuba que acolhia turistas americanos em hotéis de luxo, em casas de espetáculo, antes da revolução socialista, e que viraram varredores de rua, etc, depois da revolução. O cineasta que tinha o projeto do documentário vai atrás deles anos depois, tem muito trabalho para encontrá-los, reuni-los, etc. Confesso que chorei quando, depois de tanto sacrifício, estão tocando em “tournée”, aclamados, em prestigiosa sala americana.

Recomendo três filmes brasileiros que passaram ou repassaram no festival deste ano, a quem ainda não os viu: “A segunda mãe”, com Regina Cazé, mas que no Brasil chamaram: “Que Horas ela Volta?”, o documentário “O Amigo Secreto”, que trata do golpe contra Lula, Dilma, e contra o povo brasileiro, e O Coração do Mundo, de Gabriel e Maurílio Martins, filmado em Contagem, MG, com Grace Passô: “Retrato social do Brasil popular e do interior, onde violência e descontração andam juntos.”

Nudo Mixteco: Três Destinos de Mulher

Este filme mexicano trata ao meu ver com muita eficiência e arte da questão da violência à mulher.

Três histórias se cruzam, no campo, na cidade, no caminho...descobrimos aos poucos os seus mistérios, e o fio condutor entre elas. Um casal na intimidade. Conversam brincam, existe cumplicidade entre os dois. Na hora de fazer amor, ela aceita a fantasia dele, que coloca a máscara de um super herói, faz uma pirueta para se deslocar “voando” entre um móvel e a cama, onde chega triunfante para conquistar a sua amada… mas vemos que ela tem um problema, não consegue participar com prazer do jogo sexual…  Mais tarde descobrimos que ela foi vítima no passado de abuso por parte de um tio perverso, e que não tinha sido protegida pela mãe...Os dois outros “destinos de mulher” relatados como numa colcha de retalhos no filme relatam a violência de um pai, que tendo descoberto a homosexualidade da filha expulsou-a de casa, deixando sua mulher também na dor da separação com essa filha amada. Entendemos o caminho percorrido por esta jovem quando ela vem para o enterro da mãe e é mais uma vez rejeitada pelo pai. Ela conseguiu viver do seu trabalho, assumir e viver histórias de amor dentro da sua identidade sexual, e disse ao pai quando veio se despedir: “Eu te perdoo”, indicando que conseguiu se desvincilhar da teoria da culpa e do mal que o discurso paterno “carrega” sobre ela. E a terceira, é uma mulher que tendo vivido longe do marido por muito tempo, sem que este desse outro sinal de vida que mandar um dinheirinho ou um presentinho para os filhos, só mandando carta para a própria mãe, sem nunca escrever uma linha para ela, recusa o marido quando ele volta e quer “cantar de galo”, pois ela refez a sua vida, tem um novo amor. Estas três personagens nasceram em um vilarejo de origem indígena mexicano, que tem um tribunal popular. Um Juri popular que soube sair do machismo primário e evoluiu com o tempo, decide que este homem perdeu sua mulher…  Apesar do fio condutor grave, o filme faz você rir com algumas cenas ou situações engraçadas, e traz esperança pois as três mulheres descritas escapam do lugar de vítimas e se tornam donas do seu destino.

Por: DRª Virginia Pignot - Cronista e Psiquiatra.
É Pedopsiquiatra em Toulouse, França.
Se apaixonou por política e pelo jornalismo nos últimos anos. 
Natural de Surubim-PE


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