A MENINA FEIA

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Maria Teresa Freire.


Eu conheço Jucielma desde o ensino fundamental. Estudávamos na mesma escola. Ela sempre foi chamada de menina feia. Minha opinião era diferente. Ela sempre foi muito especial para mim. Nem todas as pessoas, especialmente as mulheres são bonitas. Algumas são carismáticas. Outras simpáticas ou sexies ou, ainda, diferentes ou sei lá o que. As mulheres podem conquistar as pessoas, sobretudo os homens, por várias características. Nem sempre a beleza, estereotipada pela sociedade

 Assim era Jucielma para mim. O nome não ajudava. Eu a chamava de Juci. Os outros caçoavam até do nome dela. Como se fosse obrigação da mulher ter nome bonito, além de ser bonita. Não importa como a pessoa é? Sua personalidade, seu caráter, seu modo de ser, sua inteligência, seu sorriso? Enfim, suas características agradáveis que não se concentrem somente na beleza aparente?  

Juci era uma aluna mediana. Poderia ser uma excelente aluna, até a melhor. Mas, não queria chamar atenção para si. Queria sempre passar desapercebida, para que não houvesse caçoada sobre sua aparência. Sentava no meio da sala, ao canto, para que ninguém a notasse. Os cabelos longos estavam sempre cobrindo o rosto. Encolhia-se, escondia-se o máximo que podia. Esse comportamento era resultado do bullying, anglicismo que se refere a atos de intimidação e violência física ou psicológica, geralmente em ambiente escolar. 

Esse tipo violento de intimidação é assunto de Lei (Lei nº 13.185, de 2015), pois um entre dez alunos sofre desse abuso verbal, moral, social, psicológico, físico, material e virtual. O bullying acontece no mundo inteiro. Há a extrema necessidade de pais e professores ficarem atentos às modificações de comportamento de jovens que são, por natureza, mais retraídos e temerosos com as ameaças e chantagens. Geralmente, não relatam as agressões aos pais e professores.  

Juci foi vítima do bullying das colegas que era, às vezes, violento. Acossavam-na nos becos próximos à Escola, nos locais intransitáveis da Escola, nos recantos não frequentados da Escola, para infringir castigos porque era feia; jogavam lixo nela, diziam que não gostavam dela, empurravam-na, punham-na de joelhos, tudo porque era feia! Um absurdo!  Só descobri isso mais tarde.

 Assim foi durante o fundamental e o ensino médio. Ela sempre quieta. Não chorava, não reagia de nenhuma forma. Até que sumiu no início do último ano do ensino médio. Disseram que ela pediu transferência para outra Escola. E assim foi. Não soube mais da Juci. Senti muito não a ter defendido, nem ter sido um amigo mais atuante.  

Um ano depois, na festa de calouros do Curso de Física da Universidade, chamou-me a atenção uma garota bonita, que me parecia conhecida. Era um pouco tímida, mas isso fazia com que ela se tornasse mais encantadora e atraia o interesse dos garotos, assim como o meu. Ela parecia não perceber ou fingia que não percebia. Fiquei observando-a. 

Ela demonstrava interesse pelas informações do Curso com um jeitinho acanhado, mas que demonstrava sua mente curiosa. As outras garotas se exibiam para os garotos, faziam brincadeiras e riam de quase tudo. Entretanto, a garota bonita não era assim. O interesse demonstrado parecia, realmente, desejo de conhecer os detalhes do Curso para aprimorar sua aprendizagem. 

Com o início das aulas, alguns garotos sentavam perto dela, convidavam-na para participar dos grupos de estudo, para sair com eles (reuniam-se para conversar, beber, e outras atividades menos acadêmicas). Ela recusava com educação e com um argumento plausível. 

Aos poucos ela fez amizade com outras garotas, com poucos garotos menos abusados, inclusive eu. Ela me olhava com mais atenção, tinha comigo um tratamento diferente. Com isso, fomos convivendo, conversando sobre nossas vidas. Comecei a ligar os fatos e desconfiei que ela deveria ser a Juci, que eu conheci. Na Universidade o pessoal a chamava de Jo, apelido de Jocielma, como haviam entendido quando ela se apresentou. Ela não corrigiu. Isso me confundiu. Ela estava tão diferente! Bonita e desembaraçada, até um certo ponto. 

Convidei-a para sair um final de semana e questionei-a sobre ser Juci. No início quis negar, mas se atrapalhou ao modificar os fatos que eu conhecia. Finalmente, confessou. Havia feito algumas plásticas para melhorar a aparência do rosto. Era muito infeliz e vivia acossada pelas estudantes do Colégio anterior. Agora, se sentia melhor, um pouco mais confiante, todavia não totalmente, pois ainda tinha receio de ser reconhecida pelas antigas colegas, caso as encontrasse, e novamente sofrer agressões. 

Ela relatava esse sentimento com tanta tristeza e sofrimento que eu a abracei com carinho para confortá-la. Não foi somente por oferecer conforto. Foi a atração que eu sentia, não porque agora estava bonita (apesar disso ser um atrativo a mais, não nego), mas eu conheci a Juci ‘original’, a menina inteligente, meiga, curiosa para aprender, acanhada e envergonhada. Finalmente eu entendi que o meu interesse por ela sempre foi mais do que pena e proteção. Porém, eu não ousava protege-la. Agora, dei vazão aos meus sentimentos. Não nego: a beleza dela, atualmente, interferia. “Beleza põe mesa”, não consigo refutar totalmente esse dito popular.   

Na Universidade, eu e Juci (ou Jo) passamos a conviver e iniciamos nosso namoro. Os colegas implicavam comigo porque eu havia conquistado a ‘beleza’ da turma. Na realidade, ela sempre foi alta e esbelta. Encolhia-se para que os outros não a vissem, sobretudo, o rosto. Namoramos durante todo o Curso universitário. Ao nos formarmos, pensamos em casamento, mas depois de estarmos com empregos assegurados.

Fui chamado para trabalhar no laboratório de uma grande empresa. Juci se dedicou ao Magistério. Tornou-se professora do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Mais tarde fez Mestrado e Doutorado e foi lecionar na Universidade. Física, área em que mulheres não eram maioria.

Que namoro amoroso tivemos! Amor, paixão, muito entendimento e compreensão um com o outro. A menina feia alcançou a felicidade. Entretanto, teve que assumir atitudes extremas para se livrar do conceito de feiosa, sem graça, burra e boba. E conquistou o bonitão da turma, que todas as garotas queriam namorar: eu mesmo! Brincadeira! Nós dois nos conquistamos por sermos quem realmente somos, pessoas de valor intrínseco, além da aparência.

Por isso, é preciso conhecer as pessoas antes de julgá-las. E sem bullying!  

Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 
Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.
Presidente da ALB - Paraná.



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