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 Violências nos Contos de Fada e Colocações Jurídicas

Arlinda Lamêgo.



De origem no folclore, contavam-se contos de fadas curtos e anônimos para adultos nas aldeias, de geração a geração, tidos como inofensivos e inocentes. Com a invenção da infância pela burguesia, os personagens eram fadas, elfos, magos, dragões, gnomos, anões, princesa e príncipe.

Bettelheim, Andrade e Filha consideram os personagens emblemático dos contos infantis reprodutores da violência de gênero pelos elementos simbólicos que despertam subjetividades na construção identitária. Segundo Bettelheim, a criança entende os significados ocultos da história de maneira inconsciente. A fórmula única para ambos os sexos legitima comportamentos na conformação social. O patriarcado no séc. XIX exigia personagens bons, corretos e benevolentes nos discursos ideológicos impostos.

As narrativas têm sentidos histórico, psicanalítico e sociológico da época, com aspectos morais positivos e negativos. A conformação social normaliza e legitima comportamentos e regras através dos costumes culturais do patriarcado no séc. XIX.   com incestos, canibalismos, infanticídio, abusos, abandonos e punições. Censuradas por muitos pedagogos, os contos de fadas persistem, mas continuam violentos. 

As relações de poder perpetuavam violência feminina nos ideais de menina e menino, príncipe e princesa, o “bem” e o “mal”, masculino e feminino. Padronizavam e normatizavam o amor romântico, o amor eterno, o serem “felizes para sempre”. As versões antigas ilustravam práticas de abusos sexuais e casamentos forçados. Em viés hegemônico, o príncipe se torna o salvador no ideal do feminino e masculino.

As condições precárias e a fome da época justificavam abandono de crianças nas florestas ou à mendicância. O canibalismo era um recurso usado diante a fome extrema.

Nos dias atuai, os  contos  ferem  a Declaração Universal dos Direitos Humano, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o Estatuto da Criança e do Adolescente,  agride o Código Penal com Abandono de Incapaz,  Maus-tratos, homicídio, o Código Civil na função social da família nos arts. 1.583 e 1.584 . 

No século XVII, a industrialização ameaçava os contos de fada ao esquecimento. O francês Charles Perrault inaugurou o gênero literário moderno de contos infantis para preservar as histórias.   No século XIX, os irmãos Grimm publicou contos germânicos e franceses para o público infantil e adulto, sem o caráter moralizante de Perrault.

As histórias já circulavam antes de Perrault. Nas narrativas, era comum a presença de madrastas. Na época, muitas mulheres morriam de parto e os viúvos casavam-se novamente por precisar de ajuda para criar os filhos. Na maioria das histórias infantis, inclusive quadrinhos, as crianças são órfãs de pai ou da mãe ou de ambos. Há madrastas e bruxas. Subjetivamente, a madrasta é sempre uma pessoa má, até os dias de hoje. 

Chapeuzinho Vermelho é o conto mais violento e o mais famoso de todos. O lobo come a vovó e serve sua carne para Chapeuzinho (canibalismo). Pede que a mocinha tire suas roupas e se deite com ele na cama (abuso).  O verbo “comer “passou a ser uma metáfora erótica até no contexto atual, explícita em todos os idiomas. Nesse conto, aprende-se a não acreditar em tudo e discernir falsas amizades. A violência psicológica em Chapeuzinho Vermelho impõe inferioridade da mocinha, que não consegue mudar a situação sozinha, na hierarquia de gênero é preciso que um homem a salve. 

Há rivalidade entre mulheres em Rapunzel, a princesa é cerceada pela madrasta em uma torre. O corte de cabelo significa perda de poder. Em “A Bela e a Fera, a violência psicológica   do Fera sobre a Bela assume lugar de superioridade ao caráter romântico passional da protagonista em cerceamento de liberdade O homem é o lobo, uma fera. Em Cinderela há violência física, o príncipe é o único caminho possível.  Cinderela foi sempre boa e gentil, tipo “a menina boazinha”. É possível distinguir o bem do mal no conto A Gata Borralheira. Em Barba Azul, está presente casos de gaslighting (cortina de fumaça), convence-a da dependência a ele, distorce informações para que ela o veja como ele quer ser visto, enche-a de culpa, caso o desobedeça. Branca de Neve é o clássico mais famoso do mundo. A menina foge da madrasta e conhece os sete anões, que vivem na floresta.

Em paralelo com a realidade, não apenas nos contos infantis, mas no cotidiano, crianças são vítimas de crimes bárbaros, de abandono, negligência, crueldade, opressão, tortura, agressão, na privação de ser criança por todo tipo de violência, externa ou doméstica os que deveriam proteger, passam a vitimá-las, por ação ou omissão.  É dever de toda a sociedade proteger os direitos da criança e do adolescente. 

Para os dias de hoje, a intenção é propor a leitura dos contos infantis e inserir o mundo jurídico na educação infantil como ferramenta para interpretação em suas pequenas mentes. As crianças a partir de sua linguagem compreenderá o que é legal e o que é moral, as noções básicas de cidadania sobre direitos e obrigações, certo e errado, o legal ou ilegal, princípios de liberdade, igualdade e dignidade, sanções previstas em lei do país. Ao garantir a cidadania, serão seres pensantes e críticos para modificar a realidade em que vivem. Entenderão a função de proteção da família no contexto social para uma sociedade mais justa como parâmetro direto na redução da criminalidade. 

Por: Por: Arlinda Lamêgo - Recifense, Médica, Escritora e Poeta.


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