O RETORNO: CORAÇÕES UNIDOS

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Maria Teresa Freire.

O trabalho como advogada no escritório do meu pai deu-me outra visão sobre o mundo das leis. Que poderia ser mais justo e rápido, às vezes, injusto e demorado com recursos infindáveis (parecia-me), idas e vindas da mesma situação e nem sempre o resultado era como se desejava. Para o cliente, nem para a advogada.

Com a vitória no tribunal para o grupo de moradores do prédio a ser demolido, expondo o comportamento antiético do Escritório oponente, criamos fama. O tão desejado descanso por alguns dias parecia difícil de se realizar.  Lá vinha um dos moradores com um amigo necessitando de advogado. E outro e mais outro. Sabe como é família italiana, nunca acaba. Sempre tem um tio, sobrinho, primo, cunhado, vizinho e por aí segue, precisando das orientações, aconselhamento e trabalho de um advogado.

Paolo foi ficando. O retorno à Itália nunca se concretizava. Ainda bem! Desafortunadamente, esse dia chegou. E Paolo teve que voltar à Itália. A tortura da despedida foi insustentável. Mas fui obrigada a me recompor e lidar com a ausência. E foi uma longa ausência para um coração apaixonado, envolvido totalmente na terna afeição que Paolo soube demonstrar e fortalecer durante a nossa convivência. 

Os momentos desfrutados eram vívidos no meu pensamento. Uma situação, um acontecimento, uma palavra, um som, uma paisagem me faziam recordá-lo. Um sentimento tão forte que a sua presença parecia estar comigo. 

As pessoas ao meu redor percebiam a minha tristeza. Era nítida no meu semblante, no meu caminhar desanimado, no meu olhar vago, no meu comportamento distraído e sem entusiasmo. Os nossos amigos faziam de tudo para enfeitar o ambiente do escritório e caprichar nas reuniões sociais. Até flores me traziam (um hábito de Paolo) para que eu não sentisse falta daquele mimo diário. 

Também me traziam novos casos para que eu, atolada no trabalho, não pensasse tanto na ausência dele. Meu pai procurava estar sempre atuando ao meu lado para que eu não sentisse o peso do trabalho solitário. Realmente, o nosso Escritório (não era mais só do meu pai) criou fama depois da defesa dos moradores do prédio e os amigos nos indicavam para todos que conheciam. O fluxo de clientes aumentava dia a dia. Envolvida na leitura dos casos e preparação das defesas, eu nem percebia as horas e os dias passarem. 

Foi assim naquela manhã quando levantei os olhos do que estava lendo e dei de cara com Paolo, parado na porta da entrada, aquele jeito tão peculiar de parar e que eu amava tanto. Ah! Eu pensei que estava tendo uma alucinação. Precisei de alguns segundos para acreditar no que via. Depois de tomar consciência de que era verdade e não uma visão, pulei da cadeira e, literalmente, me arremessei contra ele (que era alto para me segurar) abraçando-o com sofreguidão e me aconchegando nos braços abertos que me receberam em um abraço forte e amoroso e no beijo mais ardoroso e longo que já tínhamos dado.

Os dias que se seguiram foram envoltos em um verdadeiro sonho. Desaparecemos logo depois que todos vieram nos cumprimentar. Fomos para um local afastado, tranquilo, à beira mar para passarmos uns dias envoltos em nós mesmos. Em 

todos os momentos éramos dois em um só. Parecia que nos fundíamos um no outro, no mesmo pensamento, na mesma reflexão, na mesma escolha, no mesmo desejo, na mesma paixão, num só amor!

Retornamos. Para a casa do meu pai, onde eu sempre vivi. Paolo e eu ficaríamos ali, provisoriamente. Retomamos também o trabalho no escritório e como antes, havia uma conexão perfeita. E quando os clientes souberam que Paolo estava de volta definitivamente, organizaram uma festa de boas vindas. Um saboroso jantar, regado a vinho italiano, certamente. 

Então, começaram as indiretas para saber quando sairia o casamento, outra festa, sem dúvida. Italiano, por mais moderno que seja gosta de uma festa de casamento. E a pressão sobre nós dois foi crescendo. E nós dois adiando. Não deu mais para adiar quando meu pai perguntou abertamente: “Paolo, quando você vai casar com minha filha?”. Eu fiquei roxa, ele sorriu e respondeu: “Amanhã, se ela quiser!” Aí eu perdi a cor! 

Não foi no dia seguinte o casamento, mas no mês seguinte. Com a italianada ao nosso redor, todas as providências foram tomadas rapidamente: igreja, padre, cartório, festa completa, vestido de noiva, madrinhas e padrinhos, música, enfim casamento pronto. E foi uma festa e tanto! A cerimônia religiosa foi emocionante, com palavras inspiradoras do padre, que me conhecia desde criança. A recepção foi linda e animada. Decorada como um baile do século 19. Candelabros, cortinas em voil balançando ao vento e muitas flores, brancas e lilases, em arranjos florais nas mesas e em todos os cantos, em pedestais. Mais um sonho! 

A nossa lua de mel seria na Itália. Onde mais? Passamos a noite de núpcias em um super hotel e no dia seguinte viajamos. Alguns dias na Toscana, em uma vila emprestada de primos de Paolo. Lindíssima. E com vinhedos.  O clima estava muito agradável e havia flores por todos os recantos em que passeávamos. Pudemos assistir apresentações musicais ao ar livre, visitamos feiras gastronômicas e saboreamos iguarias. Foram dez dias de passeios, divertimento e muito amor. E plenamente felizes voltamos para casa. Um pequeno grupo de amigos, liderados por meu pai esperava-nos no aeroporto. Parecíamos célebres personagens com comitê de recepção. Fomos todos para casa que agora tinha um espaço nosso como meu pai providenciou, rapidamente. Era uma casa espaçosa e ele viveria ali sozinho, se não ficássemos. E ele era uma pessoa de fácil convívio. Eu continuaria a administrar a casa, agora com o meu pai e meu marido. 

Ao retornarmos para o Escritório, encontramos muito trabalho nos aguardando. Meu pai se dedicava a dois casos, mas não daria conta de mais processos. Havia um caso bem complicado de estupro de uma garota menor de idade.  Nosso Escritório representaria a menina, pois a família dela denunciara o fato e queria processar o estuprador, rapaz de família rica e poderosa que usaria de toda a sua influência para evitar o processo. Dedicamo-nos a estudar, pesquisar e prepararmo-nos para o julgamento que não seria fácil. A batalha judicial seria renhida, como constatamos. Estávamos conseguindo algumas vantagens e o lado oposto se mostrava visivelmente contrariado. Então, começaram algumas represálias veladas. Meu carro apareceu arranhado num estacionamento de shopping enquanto eu fazia compras. Dias à frente, foi o carro de Paolo que teve os quatro pneus furados e, como não bastasse, um deles cortado. Em frente a nossa casa foi jogado lixo, impedindo a passagem pelo portão.

O pior, que ocasionou uma reação furiosa de Paolo (a parte do sangue italiano ferveu!) foi quando eu estava saindo do tribunal por causa de outra audiência e, parada na calçada falando com uma colega advogada, um carro passou e alguém me jogou ovos, sujando toda a minha roupa e me assustando muito. Aí, Paolo retaliou! E com a violência necessária. Como tinha feito com o caso dos moradores despejados. A cada ato de vandalismo contra nós ele respondia com dois. Havia quem o apoiasse nisso. Acharam que éramos desprotegidos. Eles (os opositores) não conheciam italianos furiosos e perigosos (até pareciam mafiosos se enfrentando).

Amparados pela lei e defendidos pelas ações retaliadoras incitadas pelos oponentes, ganhamos a “guerra” judicial e o crime de estupro foi provado, inclusive com antecedentes semelhantes. A condenação foi reconhecida e a pena severa aplicada. Saímos vitoriosos e com reconhecimento do nosso trabalho competente e consubstanciado na lei (mal sabia o juiz da missa toda). Com isso, o respeito ao nosso Escritório firmou-se. Passamos a ter clientes em excesso e contratamos mais dois advogados e abrimos vagas para estagiários (estudantes de direito) que poderiam aprender e iniciar como advogados juniors.

A nossa vida pessoal transcorria plena de felicidade e mais ainda quando engravidei. Nunca fui tão paparicada em minha vida. Eu parecia uma peça de porcelana rara, tais os cuidados de Paolo e do meu pai. O nosso menininho chegou forte e saudável. Mas, era a cara da mãe! Paolo não dava braço a torcer, e eu ria muito. Entretanto, não precisou ficar despeitado por muito tempo, pois um ano e meio depois fiquei grávida de gêmeas. E quando nasceram as duas pequeninas eram a cara do pai! Aí se gabou muito, pois a vitória era dupla. O avô agia como um bobo (normal para avós) em relação aos netos. Ajudava a cuidar, fazia algumas vontades, porém não todas para não ‘estragar’ demais as crianças.

Tínhamos uma vida completa. Família estruturada, muito amada, trabalho competente e reconhecido. Amigos e vida social. O nosso Escritório foi indicado para o prêmio de destaque na área de Direito. Durante uma festa excepcionalmente imponente recebemos o prêmio e os cumprimentos de quase todos os presentes, exceto de um grupo que permaneceu esquivo e calado. E no final da festa, Paolo desapareceu! O meu desespero foi tão avassalador que os nossos advogados e amigos formaram uma força tarefa para encontra-lo. Paolo havia sido sequestrado!

Dois dias depois foi feito contato e queriam negociar. Os responsáveis eram um grupo de negociantes que praticavam contrabando e outros negócios ilegais cuja defesa tínhamos recusado veementemente. A negociação não era por dinheiro, mas por nossos serviços. Como sair dessa?

Então, meu pai com muita vivência na área advocatícia sugeriu o contato com um grupo de advogados que prestavam esse tipo de serviço. Defendiam malfeitores. Propusemos aos sequestradores que esses advogados atuariam com nossas orientações somente no caso em que o chefão deles estava preso. Algo perigoso para nós e para nossa imagem de respeitabilidade. Teríamos um intermediário que repassaria nossas orientações sem contatos pessoais. Foi montado um esquema seguro. Depois de um jogo duro de negociações em que não aparecemos, mas sim o advogado intermediário de nossa extrema confiança (na realidade devia muitos favores ao Paolo e era italiano...) o julgamento foi concluído e conseguido que o acusado permanecesse em prisão domiciliar por questão séria de saúde. 

Essa conversação durou dias e Paolo só foi liberado com o resultado do julgamento. Um tormento passar por esta provação. Eu parecia um zumbi. Não conseguia pensar em outra coisa. Somente nele e um pouco de atenção aos filhos. A sua volta foi inesquecível. Eu passei horas olhando aquele homem que eu amava ilimitadamente, observando cada detalhe do seu corpo, desde seu rosto bonito e sério antes, que agora se abria em sorrisos encantadores para mim e para os filhos. Durante dois dias, eu e as crianças não desgrudamos dele. Enquanto o sol brilhava ele era nosso. À noite, ele era só meu! E como foi meu! Essas noites duraram por muito tempo. E foram plenas de amor, de uma paixão tão avassaladora que nos envolvia de forma ardorosa e infinita. E novamente nos tornamos um só! 

Desse amor total, de entrega sem restrições um ao outro resultou nosso quarto filho. Um menino vivaz que personificava o temperamento italiano e a paixão ardente que o gerou. E tornou-se o advogado mais brilhante que conhecemos. Melhor ainda que o pai. Brilhante é pouco dizer, ele se tornou um gênio na advocacia, uma referência para advogados iniciantes e experientes. 

O filho mais velho foi estudar medicina e quando se formou recebeu inúmeros convites para trabalhar, porém preferiu fundar sua própria clínica, em que as irmãs trabalhavam junto, uma administradora e a outra psicóloga. Outro negócio de família. Família que sempre se pautou na retidão, na ética, no amor e na dedicação ao realizar o que gosta. 

Aqui termina o conto que prometi. Na realidade, não termina. Fica por conta do leitor, a visão do futuro de cada um dos personagens, que seja sempre envolta em felicidade e amor!

Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 
Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.



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